CONTO - É Tempo de Viver a Sensibilidade que Há e Vibrar Vida!
Hoje ouvi uma frase, que me levou para um
lindo passeio. Não sei se conseguiria repeti-la, já nem lembro mais exatamente
como foi dita. Sei que, de alguma forma, as palavras chegaram até mim e delas
parti. Abri um portãozinho meio enferrujado para dentro de mim e me deixei
ir... flui na leveza!
Me permiti por alguns minutos me
reconciliar com a Minha Vida, senti meu coração bater mais forte como se
estivesse conversando comigo e me incentivando a caminhar ainda mais para o
encontro comigo mesma. Lá continuei...
De repente, em um piscar de olhos, me vi em
um lugar singular, no meu próprio espaço de leveza, tão leve que eu flutuei. Ao
flutuar senti cheiro de infância, de algodão doce de parque de diversões e o mesmo
conforto da segurança do colo dos meus pais. Escutei ao longe uma suave melodia,
alguns pássaros cantando e me desejando boas-vindas. Acolhida e imersa em
emoções me deixei sentir!
No meu espaço de leveza não havia tempo ou
tempo verbal. As paredes não existiam, tampouco o chão ou o teto. Não havia distâncias,
eu podia ir de um lugar ao outro suavemente porque também não havia pressa
alguma. Havia, sim, serenidade e uma sensibilidade aguçada, perceptível nas
lágrimas de contentamento que discretamente rolavam no meu rosto.
Era uma sensação única, diferente de todas
as que eu já havia vivenciado. Um despertar sem fórmulas mágicas, sem pó de “pirlimpimpim”,
apenas um intenso reconhecimento de pertencimento, uma nova consciência
acompanhada de muita gratidão. Um lindo presente recebido em um dia qualquer.
Naquele espaço, que pode parecer meio
fantasioso, encontrei uma caixinha de madeira com lindas flores pintadas à mão
com as minhas cores preferidas. Eram cores vibrantes como as sensações que me
envolviam. Abri a caixa e havia dentro dela um pequeno pedaço de papel rasgado,
como se fosse de um canto de uma folha de caderno. Tinha alguma coisa escrita,
reconheci a letra da minha avó paterna, era um recado endereçado a mim e dizia que
eu poderia, a partir daquele momento, transformar tudo, absolutamente tudo o
que eu tocasse ou que meus olhos alcançassem.
Levei um susto ao ler aquela frase e
fiquei meio sem saber o que fazer. Na verdade, parei por alguns segundos no
tempo, como se precisasse daquela pausa para reorganizar meus pensamentos e
sensações, mas como é da minha natureza logo questionei:
- Como assim? Transformar com um toque?
Com um olhar? Nunca!
Meio, ainda sem acreditar em tudo aquilo, olhei
para um lado, olhei para o outro procurando um objeto que pudesse dedicar a
minha atenção e experimentar o presente que havia recebido, mas eu estava no
vazio e tudo lá era inconstante. Em um segundo havia algo, no segundo seguinte
não havia mais nada.
Resolvi seguir por uma trilha que apareceu
bem na minha frente, de grama verde e pequenas flores coloridas nas bordas. Comecei
a caminhar e alguns minutos depois, não sei dizer precisar quantos, vi uma coruja
branca de asas longas voando em minha direção. Era linda! Naquele instante admirando
a sua beleza afirmei para mim mesma que não havia motivo algum para mudá-la,
apenas fechei os olhos e senti o deslocar do vento, quando ela passou por cima
da minha cabeça e continuou seu lindo voo.
Um tempo depois vi um rato correndo perto
de uma grande árvore, mas um enorme de um rato, daqueles que parecia mais um
gato. Achei tão estranho e pensei comigo:
- Grande assim esse rato está muito
desproporcional. A cabeça é pequena demais e o corpo gigante. E não tem rabo!
Como assim, um rato sem rabo? Não pode! Mas já sei, eu posso deixa-lo bem mais
bonito! Posso transformá-lo em um ratinho lindo bem pequeno e fofinho.
Me enchi do poder transformador da caixa
que havia recebido e olhei intensamente para o rato quase gato, na mais
profunda tentativa de torna-lo diferente do que ele era, mas nada aconteceu. Claro
que nada aconteceu e eu por alguns instantes, me frustrei. O rato, por sua vez,
seguiu feliz o seu caminho. Eu, então, ri! Pensei comigo mesma, que boba eu fui
de acreditar que seria possível brincar de transformar. Me coloquei no meu
lugar, um ser comum e continuei meu passeio.
Um pouco mais à frente encontrei um homem
e dele jamais esquecerei. Digo que ele foi o homem mais surpreendente que
passou pela minha vida. Era tão feio, que quase dava medo de olhar, mas ao
mesmo tempo havia algo de familiar na sua maneira de caminhar que me fez sentir
empatia instantânea, então, sem receio algum respondi ao seu sinal. Ele veio
andando tranquilamente em minha direção, parou ao meu lado, levantou o cantil
que carregava e perguntou se eu queria beber água. Sua fala era doce e seu
olhar me chamou muita atenção. Tinha algo lá. Mesmo sem o conhecer senti uma
certa quietude ao seu lado e disse que sim, que queria água e ele, prontamente
me serviu um copo.
Muito curiosa que sou, perguntei o que ele
fazia lá. Ele olhou para mim e com seu sorriso terno disse:
- Eu, eu apenas entrego!
Claro que não me falou mais nada sobre ele,
apenas levantou o seu cantil, encheu o meu copo de água mais uma vez e disse ao
se despedir:
- Está tarde, preciso continuar. Continue,
você também. Olhe, há uma linda cachoeira naquela direção. Lá você não terá
mais sede. Vá! Vá até lá!
E para aquela direção eu fui!
Ainda segurando o copo, comecei a caminhar
serenamente, com o coração aquecido, algo havia me trazido conforto daquele
encontro. Resolvi olhar para trás para mais uma vez agradecer ao homem pela
água que ele havia me dado e que surpresa tive eu! Enquanto eu me virava e olhava
para aquele homem tão feio, tão pequeno parado no alto da colina, ele se
transformava em um belo cavalo negro, tão belo quanto generoso e mais uma vez
se aproximou de mim, agora em uma linda cavalgada. Ele permitiu que eu olhasse no
fundo dos seus olhos, que me chamaram tanta atenção e eu fui além. Fui lá no
fundo, dentro do seu ser e encontrei clareza! Uma clareza que há muito tempo
procurava. Ouve silêncio... e nos despedimos!
Percebi, então, que posso transformar a
maneira como vejo tudo e todos, mas apenas no instante em que eu consigo olhar,
também, a partir do espaço do que ou de quem quero transformar. No entanto, quando
chego ao espaço do outro, nada há a ser transformado, tudo é perfeito -
exatamente - como é! O que uma vez pensei em mudar no outro, reflete em mim, me
toca e me transforma da maneira mais genuína, mais singela, mais humilde
possível.
O meu espaço e o espaço do outro tornam-se
um único espaço, de muita leveza, de integralidade, onde a coragem a compaixão
e o perdão vivem e são forças propulsoras da mais exuberante forma de vida e
juntos reverberam amor pulsante em todas as suas formas.
E em contato com esses outros refúgios, com
esses espaços de outros seres, aos poucos vou me tornando mais eu. Deixo que o
meu vazio seja preenchido por tudo aquilo que me nutri e que me torna melhor.
Contribuo para que o outro, também, seja preenchido daquilo que lhe nutre e lhe
faz bem. Contribuímos um para a cura do outro e para o bem comum.
Ainda em êxtase percebi que começava a ser
rodeada de sorrisos. São vários os rostos que vêm ao meu encontro. Alguns tão
meus, outros nunca vistos, que desnudam seus seres, se aproximam e trazem um
pouco de tudo aquilo que ainda experimentarei durante a minha caminhada, a minha
jornada única, a minha transformação!
Reconheço, no fundo da minha alma, que há
beleza em tudo, por mais que eu julgue feio. Há Amor em todos e em tudo, mesmo
que haja tanta dor e sofrimento. Eles também fazem parte e é na forma como
olhamos, como concebemos as ideias e os outros, que encontramos as chaves para
as outras portas, aquelas que ainda iremos abrir e que nos conduzirão rumo ao
ainda desconhecido.
É a abertura que damos para o novo, para a
maneira como nos comunicamos uns com os outros, é o quanto nos dispomos a viver,
que nos permitimos ser resgatados, através da sensibilidade que nos abraça pela
arte, pela palavra, pela melodia...
É na Vida que nos disponibilizamos a
viver! É vivendo que nos reconhecemos parte e é na parte, no micro e pequeno
fragmento que nos permitimos um lindo encontro com a imensa integralidade, com
a plenitude e com o Amor que nos conduz!
Nutrida desse Amor, voltei! Mesmo querendo
lá ficar, sabia que era hora de voltar. Continuei rumo ao meu portão, agora não
mais enferrujado. Aquele passeio havia terminado, mas outros acontecerão. Assim
são os ciclos da Vida, os inícios e os fins, os recomeços. Um conectado ao
outro em um infinito de possibilidades amorosas de encontros e descobertas.
Nas lembranças do passeio guardo o
respeito pela verdade do outro e a certeza de que podemos, a qualquer momento,
nos reconciliar com a Vida. Podemos ressignificar nossa história e recomeçar,
afinal é tempo de deixar florir a delicadeza, tempo de deixar mostrar que nada
do que foi vivido pelos que estiveram aqui antes de nós, ou por nós mesmos, foi
em vão!
É tempo de viver a sensibilidade que há e
vibrar Vida!
Com meu carinho,
Estella
Parisotto Lucas
Uma verdadeira jornada poética!
ResponderExcluirGratidão! 🙏🌷
ExcluirSensacional! Texto inspirador!
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